Satsangs

Prem Baba transmite seus ensinamentos ao redor do mundo, por meio de encontros presenciais e virtuais.

Nessa sessão você encontrará alguns de seus “satsangs”(palavra Hindi que pode ser interpretada como palestra) descritos.

Você pode filtrar por palavras chave ou temas e acessar o conteúdo transcrito.

Que Possamos Curar Nossas Feridas Ancestrais
Como lidar com os desafios das transformações pessoais e sociais. A compreensão e a aceitação das transformações diminuem o sofrimento. A quebra das camadas de ceticismo, apego e medo. As redes sociais a serviço da insanidade ou da expansão da consciência coletiva. Feridas ancestrais abertas instigando o mau uso da tecnologia da informação. Redes sociais, suicídio, dependência e bullying. Religião horizontal e religião vertical. Confiança, gratidão, amor e liberdade. A necessidade de autoconhecimento em larga escala.
Sachcha Dham Ashram, Rishikesh - Índia
19/2/2018

Sri Prem Baba: Lindo! Uma oração à grande Mãe e em reverência à chegada da primavera, aqui neste hemisfério. A primavera está chegando, trazendo calor, o perfume das flores, o canto dos pássaros e a lembrança de que, neste plano, tudo constantemente se renova, está tudo em constante transformação: uma criança nasce, cresce, torna-se adolescente, adulto, envelhece, deixa o corpo e nasce de novo. E assim seguimos até que, em algum momento, esse ciclo é interrompido.

Mas enquanto se está sob a influência desses ciclos, é muito importante compreendê-los e aceitar as transformações. A lagarta se transforma em borboleta... O processo de transformação tem passagens desafiadoras, e são esses desafios que precisam ser compreendidos para que possam ser aceitos e, com isso, permitir que a transformação aconteça com o mínimo de sofrimento. 

O sofrimento do processo de transformação é relativo à resistência a ele: quanto mais nos opomos às mudanças que estão se apresentando, maior o sofrimento, porque isso é tentar represar o fluxo da vida. 

Talvez um dos principais desafios seja a incompreensão daquilo que está se transformando, que está se desfazendo - que precisa se desfazer - a clareza da direção e a confiança de que você está num bom caminho, de que aquilo que está indo embora precisa mesmo ir, de que a transformação é benéfica. 

Nós temos visto nestes últimos dias a relação do apego com o medo e, consequentemente, o quanto a liberdade se relaciona com amor e confiança, e o quanto essa transformação do medo em confiança - ou a quebra dos apegos - só é possível através da compreensão. 

Isso justifica tanto esforço em abrir caminho para a compreensão. No início requer algum esforço, até você descobrir que é só quando você deixa de se esforçar que a compreensão chega. Ou seja, depois de um tempo em que tateou no escuro até encontrar algum fragmento de confiança que te permitiu relaxar. E aí a confiança vai crescendo. Os esforços iniciais - quando você direciona os vetores da vontade através do sadhana, da autoinvestigação - são como um plantio de sementes de confiança e, em um dado momento, elas começam a germinar. E quando tem confiança em algum grau, você consegue respirar, relaxar e aí essa confiança cresce. Portanto, os esforços iniciais são para romper as capas de medo e, consequentemente, quebrar alguns apegos, o que possibilita acessar dimensões da consciência que respondem a algumas de suas perguntas. Daí você vai criando um círculo virtuoso, vai ascendendo, expandindo, porque esse grãozinho de confiança ilumina um grãozinho de gratidão e assim vai iluminando outras dimensões do amor. E você vai seguindo. Às vezes você acaba se deparando com outras camadas de medo, de apego e se esquece de coisas que já aprendeu; então aquela confiança, aquele amor que você sentiu um dia, ficam guardados e você se vê diante de um ceticismo que não conhecia. Até que você precisa de novo de algum esforço e repete o processo, quebra as camadas desse ceticismo, ou seja, desse medo; mais camadas de apego se quebram e você acessa outra dimensão da confiança e de gratidão, de compaixão. E você vai seguindo. A jornada tem sempre essa expansão e contração; isso acontece no nível pessoal e coletivo. A interação do nível pessoal com o coletivo sugere reflexões ainda mais profundas e muitas vezes requer esforços maiores, para que a mudança possa acontecer coletivamente. Tudo isso faz parte do jogo proposto para este planeta. Por exemplo:

Pergunta: Querido Baba, depois que conversamos sobre o suicídio de uma amiga, esta história voltou a aparecer e ontem, falando com sua melhor amiga, descobri que um dos motivos foram as redes sociais: ela queria ser algo que não era e não estava conseguindo sustentar isso nas redes sociais. Sinto que esse é um problema da nova era. Podemos falar sobre isso? Acho que é um problema que atinge muitas pessoas.

Sri Prem Baba: Sem dúvida, porque é um instrumento que tem denunciado e, de alguma forma, amplificado a insanidade do ego humano. Aquilo que antes estava escondido e que só você sabia ou só o seu pequeno círculo podia ter acesso, agora está exposto para o mundo. O mundo se transformou num condomínio; é uma vila, todos se conhecem ou acreditam conhecer por aquilo que é exposto, e existe uma tremenda exposição da insanidade. 

Paralelamente, vemos que é um instrumento que pode favorecer tremendamente a expansão da consciência, se usado com sabedoria. Essa é uma novidade com a qual nós ainda não estamos sabendo como lidar, que está expondo dimensões de conflitos existenciais com os quais o ser humano ainda não está sabendo como lidar. Ela possibilita que a sociedade tenha acesso à informação, mas nem sempre sabemos lidar com isso. Eu mesmo estou aqui fazendo um estudo fino de até onde e como usar este instrumento. Agora mesmo, por exemplo, estamos transmitindo este discurso ao vivo pela internet. No fim de semana temos mudado o horário do satsang para favorecer a maioria das pessoas que estão no ocidente e, além das pessoas que estão aqui, tem dezenas de milhares de pessoas assistindo. Isso gera um impacto. Tenho consciência de que estou dando conhecimento, informação, mas nem todos sabem ainda lidar com essa informação e esse conhecimento. Procuro ser o mais cuidadoso possível no uso das palavras e estou fazendo um trabalho espiritual, estou tentando transmitir a Graça via internet, porque sei que se a pessoa recebe o darshan, entra na trilha do dharma, do coração - pode passar por transformações desafiadoras, mas está no caminho. Então se essa transformação gera um sofrimento, é um sofrimento necessário, mas, mesmo assim, sinto que é algo para o que precisamos olhar com bastante atenção. 

Isso é um exemplo. Vejo muitos outros bons exemplos; percebo o benefício dessa ferramenta no que tange à possibilidade de criar união, mas precisamos considerar que a vasta maioria da humanidade ainda desconhece a sua sombra, ainda não sabe lidar com sua escuridão e por isso a tecnologia e especificamente a tecnologia de informação acaba sendo uma arma na mão dessa escuridão que age à revelia da consciência. Eu tenho visto muitos adolescentes se tornando viciados em likes, totalmente dependentes de likes - o que é uma nova forma de chamar a atenção – porque a ferida básica continua ali. A ferida básica de desamor continua, mas agora,  em vez de ficar dependente do outro que está aqui ao seu lado, fica dependente do outro que está do outro lado do mundo e que pode dar um like para o seu vídeo, seu post. Isso está deflagrando, está mostrando a dimensão da nossa doença. E muitos têm usado este instrumento para inferiorizar, criar separação, fazer bullying, humilhar. Há pouco tempo houve uma onda muito maléfica através da internet atingindo os adolescentes, levando-os ao suicídio. De tempos em tempos surge uma onda assim, mas existe um denominador comum, que é essa inconsciência a respeito da sombra. 

Vivemos um momento de transição, e cada vez mais pessoas estão podendo se tornar conscientes dessa escuridão, especialmente por conta desta tecnologia que está propiciando que o conhecimento se propague, portanto é um instrumento que tem dois lados bem definidos. E isso é só o início dessa revolução tecnológica, disso que alguns estão chamando de quarta revolução industrial, e que está acontecendo numa velocidade vertiginosa. Assim como você olha para trás e já não reconhece os instrumentos sociais, já não reconhece praticamente nada, eu lhe afirmo que daqui a bem pouco tempo o mundo vai estar ainda mais diferente. Tudo está se transformando, o foco dos governos é criar as chamadas cidades inteligentes, com tudo informatizado. A grande maioria das profissões já não têm mais sentido; em bem pouco tempo, em no máximo dez anos, muitas profissões desaparecerão; tudo vai se transformar em aplicativos. É por isso que estou dando meu melhor para que o autoconhecimento aconteça em larga escala, tentando inclusive fazer o melhor uso possível desse instrumento, para que um número maior de pessoas tenha conhecimento da mecânica do ego, da mente, para poder conhecer esta escuridão e poder se transformar. 

Independentemente do quanto temos alcançado em todos os sentidos, existem pontos com os quais ainda não chegamos num acordo. Há um denominador comum que é como lidar com as dores existenciais, como conseguir transcender essas marcas de humilhação, de exclusão, que fazem você se perder completamente quando é provocado, que faz você se comparar, se sentir menos, se sentir mais, entrar em disputa. E quando acha que não pode vencer, muitas vezes acaba até cometendo suicídio. Chega-se ao suicídio porque a dor tomou conta e a pessoa não vê caminhos para transformar essa dor. Como fazer com que a máscara se torne você? Não é possível! A máscara é artificial e a passagem do falso para o real pode ser tremendamente desestruturante, se você não está sendo suficientemente amparado, se não tem o conhecimento suficiente para lidar com os fenômenos que surgem. Veja um outro exemplo:

Pergunta: Querido Babaji, você disse que Deus é nosso melhor amigo, mas minha mente fica me dizendo que eu não estou incluída nisso. Isso aqui é um resumo de uma carta. Esta aqui é a minha primeira temporada com você. Eu venho da religião muçulmana... você ainda vai me ajudar? Preste atenção: eu completei o Quem Sou Eu na semana passada e ficou claro pra mim que sou uma criança de seis anos vivendo num corpo de quarenta e nove. Fiz um pacto com um Deus externo para ele me proteger, e em troca eu seria boa e faria seva. Com isso criei um mundo onde estou protegida e agora vejo que criei muitas paredes. Babaji, eu sinto agora estas paredes caindo. O que é Deus? O que eu faço agora? Continuo observando? Por favor, me ajude.

Sri Prem Baba: Percebe como é profundo? Esse caso está fora da grande maioria, estamos falando de um caso raro, de uma pessoa que conseguiu chegar até uma escola espiritual, chegou até um guru, está fazendo seu processo de transformação, mas está amparada. Mas tem muitas que estão vendo as paredes cair e não estão podendo ser amparadas, porque não puderam usar o livre arbítrio para procurar ajuda, não amadureceram ainda para procurar ajuda. 

Então, sendo claro com você, eu não estou nem um pouco preocupado com a sua religião, com a roupa que você usa, com o gênero da sua sexualidade, com seu grau de instrução, com sua posição social; isso tudo são coisas externas. Sobre a religião, costumo dizer assim: tem a religião horizontal, que é uma criação da mente humana, a qual tem coisas boas e coisas ruins; todas as religiões têm coisas boas e coisas ruins. E tem a religião vertical, que é quando você atinge a pureza do seu coração e se comunica com o Mistério, que está além de todas as crenças. Eu amo todos por igual. Amo os cristãos, os muçulmanos, os hindus, os budistas... Amo todos por igual. Sou como o sol: aqueço e ilumino a todos por igual; sou como a água que sacia a sede de todos. Use as coisas boas da sua religião, use o melhor da sua religião. 

Ontem eu comentei a respeito de um veneno que entrou na minha personalidade por conta de uma distorção do Cristianismo, mas tem muita coisa boa no Cristianismo que me ajudou e que está aqui comigo até hoje. E todas as outras religiões também. Religião horizontal é um fenômeno social: por conta de determinadas leis, você nasce sob a influência de uma religião, assim como nasce sob a influência de uma determinada cultura, aprende se vestir de um jeito. Estou lembrando do Maharaj: uma vez chegou uma pessoa dizendo pra ele que sua esposa estava namorando outros homens e querendo que ele dissesse algo a respeito disso. Maharaj falou: “Eu não sei como é no seu país, como é a sua cultura, não sei nada disso”. 

Isso é externo. Mas você está projetando algo em mim e você não está podendo sentir esse amor que emana na sua direção, porque você ainda não relaxou dentro da sua religião e acha que eu vou te julgar por conta da sua escolha religiosa. Isso é ilusório, isso é uma projeção; eu sou seu amigo, sou seu melhor amigo, independentemente de qualquer coisa externa, dos seus hábitos. Eu não estou aqui olhando se você tem bons ou maus hábitos, não estou aqui para olhar paro seu ego. Estou aqui para olhar para o seu coração, para dar força para o seu coração brilhar. Mas sei que essa transição é mesmo desafiadora porque você está dentro da casa e vê as paredes caindo e isso pode ser desesperador. O que ensino é você se afastar e olhar de fora essa desconstrução e compreender que ela não é negativa: é a única possibilidade para você encontrar resposta para a sua pergunta: “O que é Deus?” Para encontrar a resposta para essa pergunta, as máscaras precisam se desfazer.

Mas estou aqui trazendo aspectos que o ser humano carrega e dos quais ele sente vergonha, e são tão variados os aspectos! Por exemplo:

Pergunta: Querido Guruji, questiono muito a minha relação com o poder. Sou uma mulher rica e isso ora me faz sentir poderosa, ora me faz sentir vergonha. Por exemplo, eu vim pra Índia na classe executiva, estou num resort. Para algumas pessoas eu falo, para outras pessoas parece que irão me menosprezar se eu disser, e retirar essa legitimidade da minha experiência aqui na Índia. Porque o dinheiro tem tantas facetas? Às vezes eu me sinto melhor do que as pessoas por ter mais dinheiro, mas na mesma hora vem um pensamento que diz assim: “cala a boca, que bobagem”. E aí, fico nesse vai e vem. Como me livrar disso? Parece bobo, mas esse detalhe deságua em toda minha vida. 

Sri Prem Baba: Essa é uma questão profunda, não vou destrinchar aqui no final do discurso porque ela abre muitas caixinhas; pretendo voltar a esse assunto em outro momento. Mas o que eu estou querendo trazer agora são esses pontos que acordam vergonhas e a intensa variedade de razões: há pessoas que se envergonham porque têm e outras que se envergonham por não ter. Há pessoas que se sentem mais ou se sentem menos porque não têm e pessoas que se sentem mais ou se sentem menos porque têm. Perceba que nós estamos tocando aqui num denominador comum, que são choques de humilhação, que te fazem sentir-se envergonhado e tentar ser o que você não é. Então você usa todo o seu repertório para tentar provar para o mundo que você é uma coisa diferente daquilo que é. A ponto de que, quando não consegue provar ser aquilo, você se mata. Percebe como é profundo isso? Então eu sinto que, independentemente de um estudo mais profundo de como usar a tecnologia, nós precisamos aprimorar e aprofundar este trabalho de como curar estas feridas ancestrais abertas, porque são elas abertas que acabam usando equivocadamente esses instrumentos e nós as vemos atuando de diversas maneiras: elas despertam mecanismos de defesa, dos quais já falamos bastante, e matrizes psicológicas do eu inferior, que veem nas redes sociais uma tremenda arma a qual acabam usando para falar mal do outro, para maldizer, atacar, despejar o ódio por ter sido humilhado. Mas sem a menor consciência disso ainda! 

Então, para concluir, quero dizer que fenômenos como esses só fortalecem a intenção de fazer com que o autoconhecimento aconteça em larga escala como uma decorrência, uma necessidade natural deste ciclo do tempo em que entramos. Estou vendo que eu poderia ficar aqui muito tempo falando desse assunto; estou aqui me controlando para ir parando. O problema é o mesmo de sempre, o qual estamos enfrentando desde esse último ciclo evolutivo em que o ego humano tomou essa dimensão. O problema é saber lidar com os choques do desamor. A única diferença é que agora existe esse instrumento, esse aparato tecnológico que é uma arma na mão desse ego. Até algum tempo atrás, quando um criminoso queria fazer um assalto, pegava umas armas e assaltava um banco. Isso ainda existe, mas está diminuindo. Agora usa um vírus, faz um ciberataque e rouba dados, faz o que quiser com isso. 

Pois é, eu já consigo parar. Porque minha mente está indo para o Rio de Janeiro, que é uma cidade no Brasil que agora está sofrendo uma intervenção militar, porque o crime tomou conta. Como que esse instrumento está sendo usado pelo mal! Isso só significa que teremos muito trabalho pela frente... Então vamos seguir cantando. 

Abençoado seja cada um de vocês! Que possamos curar nossas feridas ancestrais. Até o nosso próximo encontro. 

NAMASTE