Satsangs

Prem Baba transmite seus ensinamentos ao redor do mundo, por meio de encontros presenciais e virtuais.

Nessa sessão você encontrará alguns de seus “satsangs”(palavra Hindi que pode ser interpretada como palestra) descritos.

Você pode filtrar por palavras chave ou temas e acessar o conteúdo transcrito.

A Devoção é um Fogo que Queima a Ilusão
Como a criança aprende a sentir ciúme, inveja, medo, diante do esvaziamento da atenção dos pais. Cura da carência infantil. A importância da compreensão da natureza ilusória dos pensamentos para desfazer mecanismos psíquicos que mantém a identificação com o sofrimento. O perfeccionismo enquanto um aspecto do eu idealizado que gera o nascimento do agradador. O Maha Shivaratri, os significados dos símbolos que Shiva carrega e a conquista sobre o desejo no caminho da iluminação.
Sachcha Dham Ashram, Rishikesh - Índia
13/2/2018

Pergunta: Amado Baba, o silêncio trouxe uma compreensão que me arrancou da escuridão. Depois de muitos anos de percurso de autoconhecimento, não tinha experienciado paz, pelo fato de ainda sentir inveja, ciúme, raiva, medo de ficar sozinha. Domingo dia 11, depois do satsang, fui até os seus chinelinhos e depois, nos chinelinhos do Sachcha Baba e fiz, do mais profundo do meu coração, a seguinte pergunta: “Por que tenho ainda dentro de mim esses sentimentos tão horríveis?”. Obrigada pela resposta. Entendi. Vieram-me várias imagens de quando eu era pequena, sentindo inveja, ciúme, das minhas irmãs e entendi que isso decorreu pelo fato de ter sido a primeira filha e depois de mim nasceram três meninas, uma depois da outra. Eu sinto que o mistério acabou. Agora é só relaxar? Ou tenho algo a fazer para me manter na paz? 

Sri Prem Baba: Essa é uma pergunta recorrente. O que fazer? Antes, eu sinto que pode ser de grande valia compreendermos alguns pontos: Primeiro, a lembrança de que não importa quão antiga seja a escuridão de uma caverna - uma fresta de luz dissipa a escuridão! Ou seja, um grãozinho de compreensão é suficiente para abalar as estruturas de um condicionamento. Um grãozinho de poeira de compreensão pode abalar as estruturas de antigos condicionamentos, porque o que te faz refém do condicionamento é a incompreensão. Você foi agraciada com esse grão de compreensão, que lhe permitiu ver de onde vêm esses horrores que lhe habitam e pôde perceber então a natureza ilusória desses pensamentos de inveja, ciúme, raiva, medo. Você viu e, ao perceber a verdade, seu coração se pacificou. O Ser emergiu e trouxe paz. 

Agora, é só relaxar? Sim. Relaxar nessa Presença. Sustentar essa lembrança de que esses pensamentos de ciúme, de inveja, não têm existência própria. Você aprendeu a sentir ciúme, a sentir inveja, a sentir medo, para proteger o seu espaço que estava sendo ameaçado pelas suas irmãs; ameaçado por ter que dividir o seu espaço. Óbvio que você sentiu a retirada da atenção, do amor dos seus pais, e essa retirada foi impactante e você precisou amortecer a dor. E amorteceu a dor utilizando elementos que você estava tendo a chance de aprender naquele momento. A criança aprende a sentir ciúme, aprende a sentir raiva, aprende a sentir medo. Aprende com quem? Com quem está ao redor. A criança aprende através do exemplo. Se for possível para você perceber que esses sentimentos que provocam tanto sofrimento, esses sentimentos tão horríveis foram mecanismos de proteção; e se você está podendo perceber que essa que você estava protegendo não é você, você encontrou algo precioso. 

Esses pensamentos continuarão a lhe visitar ainda por um tempo - isso é fisiológico. Existem redes neurais que foram instaladas desde aquela época, que propiciam essa repetição. Então é bem provável que esses pensamentos de ciúme, de inveja, medo e raiva continuem a lhe visitar. Mas você já sabe de onde eles vêm, já sabe por que eles surgem, para que eles surgem e não precisa mais lutar contra eles. Porque você acaba caindo nessa armadilha de lutar contra a natureza inferior, quando não compreende. Eu digo que é uma armadilha porque é impossível você sair vitorioso dessa batalha. 

Como você vai sair vitorioso de uma luta contra o ciúme, de uma luta contra a inveja, se eles são da qualidade da escuridão, se não tem existência própria? Você está lutando contra a escuridão. Você só vai andar em círculos e aumentar a produção de pensamentos e sentimentos negativos: se sentindo incapaz, impotente, fracassado, cheio de culpa, porque você continua cada vez mais ciumento; cada vez mais invejoso. Mas, quando você percebe de onde vêm esses pensamentos e sentimentos, você só assiste ao fluxo. E por não dar atenção a eles, eles vão se desfazendo - porque eles sobrevivem de atenção.

Então perceba que um dos principais mecanismos psíquicos que mantém a identificação com o sofrimento é a autocrítica, que é outra palavra ou outra maneira de compreendermos o perfeccionismo - que é um aspecto do eu idealizado, da máscara, do falso eu. Nesse exemplo, a menina que tinha que ser perfeita para conseguir a atenção dos pais, para conseguir desviar a atenção dos pais das três irmãs e chamar um pouco de atenção para ela. 

Para conseguir isso, a criança torna-se uma estrategista. Ela fica atenta para ver como consegue agradar, como consegue capturar a atenção. Ela vai utilizando o repertório, utilizando a inteligência que está surgindo, que está brotando, para tentar conseguir tirar do outro - do pai, da mãe - a atenção. Aí nasce o agradador. E esse agradador tem uma característica: ele não pode falhar! Não pode cometer um erro sequer. Por quê? Porque se ele falha, a atenção vai toda para os outros irmãos e ele experiencia de novo aquele esvaziamento da atenção, que é uma dor terrível. Então, tem que ser perfeito; não pode errar. E esse perfeccionismo torna-se um tirano cruel. Então, quando você identifica a origem desse eu idealizado, ele enfraquece. Mas durante um tempo, você ainda vai ser visitado por ele e pelos seus aliados - seus instrumentos de batalha - que são esses sentimentos, esses pensamentos. 

Mas, se você pode estar relaxado, presente, você vai assistir a esse fluxo, não vai se identificar, e eles vão passar. É assim que você começa a desmontar essa estrutura que chamamos de desejo. Porque é uma estrutura, essa voracidade por atenção, por reconhecimento, que vai se desdobrando e tomando “n” formas, a ponto de você desejar tudo. Aí você começa a perceber a diferença entre necessidade e desejo: necessidade é real, o corpo precisa de algumas coisas, geralmente muito pouco; o desejo é um poço sem fundo, porque é uma tentativa de preencher esse vazio de atenção que ficou. E essa é uma das fontes desses pensamentos, desses sentimentos tão horríveis. Por quê? Porque não é possível preencher esse vazio. O que você pode é iluminar esse vazio através da compreensão. 

Estamos entrando no Maha Shivaratri, esse dia em que celebramos esse aspecto do divino Mistério, que aqui chamamos de Shiva, que é uma forma como o Mistério se apresenta. E essa forma em si tem muitos desdobramentos: se apresenta como Mahadeva, que é o Deus supremo; se manifesta como Shankara, que é o meditador; se manifesta como Shambo, que é o benevolente e, em cada manifestação, ele carrega muitos símbolos. Alguns desses símbolos são muito esclarecedores a respeito da caminhada iniciática. E talvez, um dos símbolos que eu considero um dos mais esclarecedores, são as cinzas que ele usa para cobrir o corpo em algumas de suas manifestações - que significa exatamente a incineração do desejo; significa que ele conquistou o desejo. Se o buscador conquista o desejo, ele conquista a morte; se ele conquista a morte, ele conquista o medo; se ele conquista o medo, ele está livre - porque é o medo que te aprisiona. 

Estamos falando de ciúme, raiva, inveja, mas na raiz, está o medo. Medo de experienciar esse esvaziamento da atenção, que é o esvaziamento da vida, que é a morte. As najas ao redor dos braços, do pescoço, representam a conquista da morte. Estamos falando da morte no sentido psicológico, mas existe a conquista da morte no sentido existencial - é quando você compreende a imortalidade do ser que é você. Quando você pode ir além do desejo, porque compreende a trama psicológica do ego, então você acaba podendo ir além e perceber que você não é o corpo. O corpo é como uma roupa que você usa. Quando não está te servindo mais, quando não está mais podendo ser utilizada, você precisa trocar. E aí, aos poucos, você vai avançando no simbolismo da lua nova sobre a cabeça. A lua, que é o símbolo das nossas emoções, nossos sentimentos - porque ela é a grande influenciadora da mente. Então esse símbolo representa a transcendência das emoções, significa que, independentemente do que esteja acontecendo lá fora, você continua o mesmo. São muitos os símbolos, mas eu considero que, esse que nos lembra da importância de conquistar o desejo, seja um pilar. Ele é um dos fundamentos do caminho da iluminação. 

O que isso quer dizer para o ser humano comum, que está dando os seus primeiros passos em direção à transcendência? Que ele precisa chegar a um acordo com o desejo. Que ele precisa lançar luz nesse poço sem fundo que é o desejo, luz de compreensão. Por desejo podemos também entender carência, carência que nada preenche e que tem raiz nesses choques que a personalidade vive quando está se desenvolvendo. 

Você recebeu a Graça de Sachcha, que te fez perceber que esses sentimentos, esse desejo, não é você. Porque é um desejo: um desejo de ter atenção, de ser melhor, de ter um lugar... É um desejo! E é daí que vem a disputa, a competição, a inveja, a raiva - é um desejo de ter um lugar. Porque você sente que não tem um lugar; porque você está identificado com aquela que perdeu o lugar. Mas aquela que perdeu o lugar não é a sua verdadeira identidade, é só um aspecto da sua personalidade. E você percebeu isso, você viu isso, agora mantenha isso. 

Então, quando novamente esses pensamentos, esses desejos, vierem te visitar, apenas observe. Você pode até dizer: “ah, você de novo?” Ok, no problem. Segue fazendo o que você tem que fazer, varrendo a sua casa, tomando água. Verdade! Chama a Presença através de uma atitude: volta para o corpo. Às vezes tomar uma água é o suficiente: “– Voltou!” Deixa o pensamento passar. Você sabe que não é importante. Você não tem mais que brigar com ele. Você sabe de onde vem, porque vem e para que vem. 

Assim você vai se enraizando na Presença, vai se enraizando no seu centro e assiste às nuvens passando. As nuvens às vezes são claras, às vezes são escuras, mas sempre passam. Às vezes demoram um pouco mais a passar, mas sempre passam. Às vezes acontece de demorar para passar e aí você acaba tendo uma recaidazinha. Afinal de contas, tanto tempo casado com o sofrimento, ele vem e flerta com você e você acaba cedendo. Aí vai, toma um banho na Ganga, canta para Deus, dança e deixa a nuvem ir embora. Volta para essa Presença observadora. Volta para a calma do seu coração, mas sempre atento à lembrança de onde foi que você conseguiu receber essa compreensão: nas sandálias do Sachcha Baba. Por isso é que a gente vai todo dia para as sandálias do Sachcha Baba, pelo menos duas vezes ao dia, de manhã e à noite, para não esperar cair para poder levantar - já fica de pé, sempre. Fazemos o kirtan de manhã, kirtan à noite; arati de manhã, arati à noite. Pra que você tem que cair para ter que levantar? Se mantenha de pé! Devoção é um fogo que queima a ilusão. Devoção é um fogo que queima a ilusão. Você experienciou isso. Agora isso não é mais conhecimento, agora é sabedoria, essa é sua experiência. Agora não é o Prem Baba que está te falando, você viveu. 

Lembrando apenas que Shiva é conhecido como renovador, porque ele destrói aquilo que não nos serve mais e traz o novo. 

Abençoado seja cada um de vocês. Que a renovação aconteça. Até um próximo encontro. 

NAMASTE